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Ilha de Man, breve história do "Snaefell Mountain Course"

Atualizado: 11 de jul. de 2022



Ilha de Man, a história e a importância nos desportos motorizados


Nos dias de hoje, a Ilha de Man é internacionalmente reconhecida pela realização de eventos desportivos de motociclismo que têm no perigo e nas suas adjacentes consequências a sua maior característica pública.


Giacomo Agostini (MV AGUSTA)

Aparte os argumentos (os defensores e os detractores), a verdade é que a manutenção destas corridas só é possível pela carga de tradição que as mesmas encerram.


A característica menos pública que está na origem desta tradição é o facto de a Ilha de Man ser o berço das corridas de velocidade em motos e automóveis!


A génese


No inicio do séc. XX não existiam circuitos permanentes (vulgo autódromos) e no Reino Unido estava em vigor uma lei que limitava a velocidade máxima (na via pública) a 20 mph (cerca de 32 km/h).


Pelo facto de a Ilha de Man, fruto da hipocrisia que até hoje vigora nos territórios “offshore”, ter alguma liberdade legislativa, os responsáveis pelo “Automobile Car Club of Britain and Ireland” aliciaram as autoridades por forma a que fosse permitida a disputa de provas de automóveis nas estradas públicas da ilha.


Assim, em 1904 disputou-se, na forma de contra-relógio, o primeiro evento destinado a automóveis de turismo, utilizando um traçado, “Highroads Course”, de 52.15 milhas (cerca de 83,93 km), Clifford Earl, aos comandos de um NAPIER, foi o vencedor da prova disputada em 6 voltas ao percurso.


Em Setembro de 1905 disputou-se outra corrida de automóveis, agora designada “RAC Tourist Trophy”, tendo sido ganha por John Napier que tripulou um ARROL-JOHNSTON tendo alcançado a média de 33,90 mph (54,56 km/h).


Como expediente para apurar uma equipa para representar a Grã-Bretanha nas “International Motor-Cycle Cup Races”, foi também em 1905, no dia seguinte à corrida de automóveis, que se disputou a primeira prova de motos.


O facto de as motos utilizadas se terem mostrado incapazes de fazer a parte mais íngreme da montanha levou a organização a optar por um percurso alternativo com cerca de 25 milhas (40 km): Douglas-Castletown-Ballacraine-Douglas.


Esta corrida foi vencida por J. S. Campbell (ARIEL) que, apesar de um incêndio na sua moto e equipamento durante um reabastecimento, conseguiu cumprir as 5 voltas da prova (125 milhas/201 km) a uma velocidade média de 30,04 mph (48,34 km/h).


As provas de automóveis disputaram-se na Ilha de Man em: 1905, 1906, 1907, 1908, 1914 e 1922.


Foram estas provas a origem do prestigioso “RAC Tourist Trophy” que não se disputaram entre 1923-1927 e que a partir de 1928 inclusive se passaram a disputar no continente.


As razões da mudança de cenário deveram-se ao perigo que o traçado impunha e ao facto de, entretanto, terem começado a aparecer circuitos permanentes na Grã-Bretanha continental.


Em 1907 disputou-se na Ilha de Man a prova de motos sob a designação “Auto-Cycle Tourist Trophy”, a designação “Tourist Trophy” deve-se ao facto de as motos admitidas terem que ter travões, guarda-lamas e caixa de ferramentas, ou seja, tinham que estar conformes para circular na via pública.


Desde aí até hoje, exceção feita aos períodos das Grande Guerras (1915-1919 e 1940-1945) e Covid-19 (2020-2021), a prova desenrola-se sob a designação “Tourist Trophy” ainda que as características das motos admitidas tenha variado entre a derivação de série e os protótipos.


O vencedor de 1907, Charlie Collier aos comandos de uma MATCHLESS alcançou a média de 38,21 mph (61,49 km/h)

O circuito


Entre 1907 e 1910 a prova foi disputada “St. John's Short Course”, um circuito de 15 milhas (cerca de 24 km).


Em 1911 o evento passou a utilizar o “Snaefell Mountain Course”, um circuito de 37,40 milhas que é utilizado até hoje com ligeiras variações fruto das alterações do desenho da rede viária, na atualidade tem 37,73 milhas (cerca de 60,725 km).


O “Snaefell Mountain Course” granjeou desde o inicio a triste fama de circuito mais perigoso do Mundo, até hoje, mais de 260 pilotos perderam a vida neste percurso, em provas do evento principal (cerca de 150), incluindo as fatalidades ocorridas durante os outros eventos entretanto criados para amadores, o “Manx TT”, ou clássicas, o “Classic TT”!!!...


Os grandes fatores de perigo do traçado são:


Ralph Bryans e Luigi Taveri, corrida de 50cc em 1966

  • A dimensão do perímetro circuito dificulta a sua memorização, diz-se que para aí ser rápido é necessário ir para lá viver e esta é a solução que alguns pilotos encontraram para conhecerem a fundo o traçado;

  • Embora tenha alguns pontos bastante lentos, por exemplo “Quarter Bridge”, “Braddan Bridge”, “Ginger Hall”, “Parliement Square”, “Hairpin” ou “Water Works”, o traçado é no seu conjunto muito rápido o que aumenta as implicações negativas no caso de existir um acidente, hoje, nas classes mais rápidas percorrem-se grandes porções do percurso a mais de 300 km/h, a volta mais rápida foi realizada em 2018 por Peter Hickman, na “Senior TT Race”, com 16m42,778s à média de 135,452 mph (217,989 km/h), como curiosidade, nas 50cc, que se disputaram entre 1962-1968 integradas no evento pontuável, na altura, para o Campeonato do Mundo De Velocidade, em 1966, há 55 anos!!!, Ralph Bryans em HONDA venceu a corrida à média de 85,66 mph (137,86 km/h)!!!...

  • As limitações próprias de um circuito de estrada onde a falta de segurança passiva (escapatórias) e, até, o controle dos animais num perímetro desta dimensão (já aconteceu um piloto ir contra um cavalo que se espantou com o ruído feito por um helicóptero que ia assistir outro piloto acidentado), determinam a impossibilidade de tornar o percurso seguro de acordo os standards hoje usuais;

  • Por fim e para dificultar mais ainda, num percurso desta dimensão e uma variação de altitude superior a 400 metros, as condições atmosféricas variam frequentemente durante a mesma volta, é frequente existir nevoeiro na montanha e um Sol radioso em Douglas.


Entre 1954 e 1959 foi também utilizada uma variante do circuito que foi batizada de “Clypse Course”, este percurso destinava-se apenas aos Sidecar e às Ultra-Lightweight e, a partir de 1955 também às Lightweight, em 1960 estas classes passaram a competir juntamente com as outras no “Snaefell Mountain Course”, o “Clypse Course” tinha um perímetro de 10,92 milhas (17,63 km) e utilizava duas secções do “Snaefell Mountain Course”.



Mike "The Bike" Hailwood (DUCATI), 1979

O Campeonato do Mundo de Velocidade


Foi na Ilha de Man que decorreu o GP de Inglaterra, integrado no Campeonato do Mundo de Velocidade, entre 1949 (ano da criação do campeonato) e 1976.


As 50cc disputaram-se entre 1962 e 1968, as 125cc entre 1951 e 1973, as 250cc, 350cc e 500cc entre 1949 e 1976.


Assim, na lista de vencedores deste circuito constam nomes de primeira grandeza na cena da velocidade Mundial, tais como: Luigi Taveri, Mike Hailwood, Phil Read, Tarquinio Provini, Bill Ivy, Kel Carruthers, Giacomo Agostini, Jim Redman, John Surtees, Bob McIntyre, Tom Herron, Mick Grant, Jack Findlay, Gary Hocking ou Geoff Duke, entre muitos outros.


Depois da prova de 1972, Giacomo Agostini anunciou que nunca mais correria na Ilha de Man, afirmando que era demasiado perigoso e que era escandaloso que este circuito permanecesse no calendário do Mundial, posteriormente foram-se juntando outros pilotos ao boicote e 1976 foi o último ano em que o evento pontuável para o Mundial se realizou neste traçado.



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O Mundial pós-Mundial


Descontentes com a perda de estatuto, os organizadores, servindo-se do peso da ACU (a federação inglesa) na FIM, conseguiram que fosse criado um Campeonato Mundial de TT que teria como principais características o facto de as motos admitidas serem derivadas de série e de os circuitos serem de estrada (naturais).


Este campeonato nunca teve um grande impacto internacional, Ilha de Man aparte, e por fim acabou por recorrer a alguns circuitos permanentes.


Teve a última edição em 1990.


Em Portugal, durante a sua duração (1977-1990) teve 7 edições em Vila Real: 1982, 1984, 1985, 1986, 1988, 1989 e 1990.


O pós-Mundial Tourist Trophy


Nos últimos 32 anos a prova mantém-se suportada pela enorme carga de tradição, pela imagem de perigo e aventura extremos que atrai os mais temerários e por uma comunicação agressiva por parte dos responsáveis pela organização e autoridades da ilha, cujo maiores trunfos são o facto de ser um paraíso fiscal e as receitas do turismo que o circuito gera.


Hoje, a popularidade do evento não pára de crescer.


Pilotos de GP versus pilotos da Ilha de Man


Os melhores pilotos na Ilha de Man não são necessariamente bem sucedidos quando confrontados com a nata dos pilotos de circuitos permanentes e isto deve-se essencialmente ao facto de pilotarem de formas diferentes.


Num circuito permanente os pilotos conduzem até ao limite, com as condições de segurança passiva que hoje existem têm pouca probabilidade de se magoarem quando caem.


Na Ilha de Man, os pilotos rápidos sabem que se caírem têm uma grande probabilidade de bater num muro, poste, árvore ou de caírem por uma ribanceira, naturalmente, esta realidade não permite andar à procura do limite de forma sistemática, exige uma condução mais defensiva.


Assim não existe confronto entre as duas famílias de pilotos, uns não aceitam correr na Ilha de Man, os outros não estão habituados a andar no limite extremo da moto que conduzem.


Para os da Ilha de Man, resta, sem dúvida o título de mais temerários!


Os grandes nomes da Ilha de Man


Os três nomes que mais vezes chegaram ao degrau mais alto do pódio, nas diversas provas/classes, estão os seguintes nomes:

  • 26 x – Joey Dunlop

  • 23 x – John McGuinness

  • 18 x – Michael Dunlop

Sem dúvida que falar da Ilha de Man é também por força das circunstâncias falar família Dunlop, proveniente de Armoy (Irlanda do Norte), que detém um impressionante palmarés na ilha.


Joey venceu por 26 x e faleceu em 2000 num acidente em Tallinn na Estónia - circuito de estrada -, o irmão Robert venceu por 5x e faleceu em 2008 num acidente na “North West 200” na Irlanda do Norte – circuito de estrada -, filho de Robert e sobrinho de Joey, Michael venceu por 18x, por fim, William, irmão de Michael, filho de Robert e sobrinho de Joey, teve participações honrosas na ilha e faleceu em 2018 num acidente na “Skerries 100 Road Races” em Dublin na Irlanda do Norte.


Como curiosidade, diga-se que Robert Dunlop faleceu em resultado de um acidente durante uma sessão de treinos da classe 250cc em que os dois filhos também participavam, a sua moto tinha as manetes de travão da frente e embraiagem do lado esquerdo devido aos condicionantes físicos que já tinha de um acidente anterior, ao que parece o motor terá agarrado e ele ao querer apertar a embraiagem ter-se-á enganado e terá travado a fundo a cerca 160 mph (cerca de 260 km/h) posteriormente a ter caído foi atingido pelo piloto que o seguia.


No dia seguinte, os seus dois filhos sob grande consternação fizeram questão de participar na corrida como forma de honrar a memória do pai, surpreendentemente, Michael ganhou a corrida depois de uma disputa taco a taco com Christian Elkin (a 1,029 s) que terminou em segundo à frente de John McGuinness (a 1,763 s).


O acidente de Robert Dunlop no "North West 200" de 1998 de onde resultaram ferimentos graves que o incapacitaram durante muito tempo e dos quais nunca viria a recuperar a 100%, na ocasião tripulava uma HONDA na classe 125cc, curiosamente o mesmo modelo que o seu irmão Joey conduzia quando teve o acidente fatal

Filme da impressionante corrida (250cc) que Michael Dunlop protagonizou no "North West 200" de 2008 no dia posterior à morte do seu pai Robert



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