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CRÓNICA DOS BONS MALANDROS - A arte do desenrasque na hora H

Atualizado: 6 de jul. de 2022


Eu em 1982, se se olhar com atenção pode ver-se os restos do guarda-lamas amarelo e á direita o Felisberto, em 2000, no pit stop do fim do 1º turno (em pé à direita, vê-se o Nuno Oliveira pronto para entrar em acção!

A falta de meios, por vezes básicos, eram uma constante na maioria dos participantes do motociclismo desportivo.


Se juntarmos a esta circunstância alguma desorganização, por vezes também resultado da falta de recursos, a consequência era, frequentemente, existirem situações caricatas.


Hoje, lembro duas, em que estive directamente envolvido, ambas no Autódromo do Estoril, uma em 1982 e a outra em 2000.


1982


Em 1982 participei, como piloto, no Campeonato Nacional de Velocidade na Classe 50cc Racing Júniores.


Os meios eram muito escassos, a moto com que comecei a época, a minha CASAL de 5 velocidades com rotor interior MOTOPLAT, equipada com um carburador DELL'ORTO 30 mm, suspensões e travões ridículos, permitia-me ambicionar, quando tudo corria de feição, uma posição a meio da tabela.


Aqui a rolar no Sábado quando os restos do guarda-lamas não tinham sido recolocados!

Para a primeira prova do ano, no Autódromo do Estoril, socorri-me da logística do Sr. Joaquim Nunes, pai do Fernando Nunes que na altura participava nas 50cc Racing Seniores com uma ZUNDAPP.


O meio de transporte era uma FORD Transit de caixa aberta com cobertura de lona, na cabine viajava o Sr. Joaquim e a esposa, na caixa seguiam as duas motos, eu, o Fernando e dois amigos meus, o Manuel Braga Lino e o Gautier, colegas de faculdade, ia-mos enrolados em cobertores para não ter frio durante a viagem Santa Marta de Penaguião – Estoril (cerca de 400 km nas estradas da época).


Para dormir, utilizávamos as boxes da altura (existia uma casa de banho para serviço de todo o paddock junto à torre de controle) e continuávamos a ter que dormir enrolados nos mesmos cobertores utilizados durante a viagem.


Considero ainda interessante uma breve descrição do meu equipamento na altura: o meu capacete era um BIEFFE, as botas eram emprestadas pelo Ed Miro (MIREKO) – eram pelo menos dois números acima do meu -, as calças eram de napa (o regulamento especificava a necessidade de fato ou calças/blusão de couro ou material similar) emprestadas pelo saudoso Carlos Salgueiro, as luvas eram emprestadas pelo Paulo Braga e o blusão era de pele emprestado pelo Manuel Braga Lino (na verdade o pai dele emprestou-lho e...).


O programa das festas era o seguinte:

  • Sábado: verificações técnicas e aluguer de pista (rodavam todas as classes juntas: 50cc Racing Júniores, 50cc Racing Séniores, 350cc Racing, Superprodução Classe 1 – até 750cc – e Superprodução Classe 2 - + de 750cc). Como nota de rodapé, lembro-me perfeitamente de ser verdadeiramente assustador partilhar a pista com as TZ 350 e as CB 1100 R!

  • Domingo: treinos livres, treinos cronometrados e 3 corridas:

- 50cc Racing Júniores

- 50cc Racing Séniores

- 350cc Racing, Superprodução Classe 1 e Classe 2


Durante as verificações técnicas surgiu um problema, a minha moto não passava as mesmas porque não tinha guarda-lamas dianteiro, o regulamento especificava que o mesmo era obrigatório sempre que a moto em causa não tivesse carenagem completa, esta era a minha quarta corrida e nunca ninguém tinha feito esse reparo.


Depois de todo o esforço para chegar ao Estoril, esta era uma grande contrariedade, face a este problema, alguém, entre os presentes, encontrou uma solução, foi à parte de trás da bancada e gamou um guarda-lamas a uma motorizada que estava estacionada tendo tido o bom senso de ter deixado um papel a identificar a situação e a dizer a razão.


Posteriormente o proprietário da peça apareceu, gostava muito de corridas e foi muito compreensivo (penso que era um dos poucos espectadores de Sábado...).


Não me lembro do nome dele, mas lembro-me que no ano seguinte também corria.


O garda-lamas era amarelo em fibra de vidro e uma vez colocado ficava horroroso levantado à frente, prendemo-lo com umas braçadeiras metálicas e a moto passou as verificações!


Ultrapassado este problema, fiz-me à pista e o guarda-lamas mostrou, mais uma vez, querer ser o protagonista do dia.


Perto do fim da reta da meta, o António (Tógu) Lopes da Silva, aos comandos de uma TZ 350 sempre a falhar, ultrapassou-me e eu retribui na entrada da curva 1 – isto não seria possível se fosse uma TZ a funcionar direito, mas tenho ideia de nunca ter visto a moto do Tógu a carburar como devia – e, neste momento, o guarda-lamas saltou.


Eu quase caí e olhei para trás preocupado com o Tógu que entretanto tinha passado por cima, ninguém caiu, mas o guarda-lamas ficou partido em três.


Recolhidos os restos da peça, verificamos que parte central (zona de aperto) tinha ficado em condição de utilização, foi montada outra vez e foi assim que corri, com um bocado de guarda-lamas da frente!


Não deu mais problemas porque deixou de oferecer digna resistência aerodinâmica!


Na corrida fui 5º classificado, o que não foi mau tendo em consideração todos os constrangimentos.


Lamentável foi o facto de na mesma corrida ter falecido o Domingos Monteiro, irmão mais novo do consagrado Tózé Monteiro que curiosamente ganhou a corrida de 50cc Racing Séniores que se desenrolou a seguir à nossa, tendo tido essa trágica noticia na hora em que deveria festejar a vitória, devido a acidente na curva 1, na altura esta curva 1 ou curva CITROEN era bastante mais rápida que hoje e tinha os rails à face do asfalto!



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2000


Em 2000, eu era sócio-gerente da COSE DA MOTO, desde a génese dessa empresa, em 1991, que a mesma esteve ligada à competição e, nesse ano, organizamos uma estrutura para fazer o CNV na classe Supersport com o Felisberto Teixeira como piloto.


O Felisberto era na altura um piloto com muita experiência internacional, entre outras, na Endurance com o Team SUZUKI SHELL.


Tendo isto em conta, resolvemos participar na ronda portuguesa do Campeonato do Mundo de Endurance na classe Stocksport (motas muito próximas das suas homólogas de série).


Inicialmente, a ideia era fazer uma equipa de 3 pilotos com o Felisberto, o Gilson Scudeler e o Nuno Oliveira, esta formação resultava de um acordo com o Paulo Roberto Araújo em representação do Gilson, e com a YAMAHA Motor Portugal que nos iria fornecer uma R1 para correr e uma outra para servir peças suplentes caso fossem necessárias.


Por uma razão, penso que uma questão de compatibilidade de sponsors, de que já não me recordo, o Paulo resolveu saír e levar o Gilson para outra formação.


Assim, á última hora, resolvi participar com, apenas, 2 pilotos: o Felisberto e o Nuno.


O compromisso da YAMAHA mantinha-se, mas entretanto, as R1 de 2000 estavam esgotadas e serviram-nos um modelo de 1999, substancialmente inferior.


A moto foi entregue em caixa nas boxes do Autódromo do Estoril e a preparação básica que sofreu foi feita “in loco”.


A moto para peças nunca foi entregue, hoje, à distância, acho que enfrentar uma prova de resistência, ainda que curta, com apenas 2 pilotos e sem qualquer peça de reserva, foi de alguma inconsciência.


A meu favor, o facto de, apenas, saber da falta da moto para peças quando já estava no Estoril!


A acrescer à dificuldade, até o amortecedor OHLINS traseiro que montamos era para o modelo de 2000!


Durante os treinos o Felisberto queixou-se sempre da eficácia da moto.


Entretanto, devo realçar, a boxe tinha treinado e estava bem orquestrada pelo Zé Pedro (Sr. Cachorro) para os reabastecimentos e mudanças de pneus.


A corrida começou e o Felisberto cumpriu o primeiro turno (50 m) na 5ª posição geral, 2ª posição das Stocksport e, de uma forma folgada, 1ª equipa portuguesa quando parou para trocar de piloto as nossas expectativas estavam ao rubro, apesar de todos os contratempos vislumbrávamos um resultado histórico.


O Nuno pegou na moto para o segundo turno e caiu, depois de sair das boxes, na curva 1..., foi uma queda ligeira, mas quando chegou às boxes verificamos com desalento que tinha partido a manete do travão dianteiro...


Nesta foto são ainda reconhecíveis o José Pedro Fonseca (junto da moto) e o Paulo Ribeiro (à direita) a testemunhar a ocorrência

As opções eram desistir ou...


O cunhado do Zé Pedro foi à parte de trás da bancada, subtraiu uma manete a uma R1 de um espectador e deixou o número de telemóvel num papel colado na moto.


No meio desta confusão, o Nuno Leitão, para quem o Nuno Oliveira competia no nacional em concorrência com a nossa equipa, veio-nos dizer que não autorizava o Nuno a voltar a correr porque não fazia sentido arriscar a sua integridade fisica nestas condições.


O Felisberto queria abandonar e eu numa atitude olímpica que me é habitual mas nem sempre favorável disse: “Nós não desistimos!...”


Assim o Felisberto cumpriu galhardamente, como pôde, os restantes turnos, tendo terminado exausto e sem o brilho que de facto merecia.


No final da corrida devolvemos a manete ao seu dono que, felizmente, sem dramatismos, nos perdoou a audácia!



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Créditos fotos:

1982, a primeira apresentada é da autoria do saudoso Carlos Barreiros, a segunda é do Jorge Morgado. Na altura recebiamos as fotos por correio à cobrança e só as viamos depois de pagar (150$00 cada). O Jorge e o Carlos deveriam estar "cartelizados", praticavam exactamente as mesmas condições comerciais!

2000, fotos gentilmente cedidas pelo meu amigo Manuel Carvalho, meu camarada de tropa e que desde há muito tempo se tem dedicado com paixão à fotografia de desportos motorizados "GSI Global Sports Image - photography & news". Podem consultar a sua página FB em: https://www.facebook.com/GSI-Global-Sports-Image-2143608255653024/?__tn__=%2Cdk%2CP-R&eid=ARAseNr6mexNw5LB8RJvbpmSQreuY7Dx9G8iqNKm3vfB-YKREhlLrz-dExZQsrYjD0FdrDHPTHoKEirQ

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